Desmistificando o Autismo: A Ciência por Trás dos Mitos
- Neuroevolução
- 23 de mai.
- 6 min de leitura
Recentemente, compartilhei um vídeo no Instagram abordando alguns mitos comuns sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Como prometido naquele vídeo, este texto aprofunda as questões levantadas, trazendo as evidências científicas que embasaram nossa discussão. O objetivo é combater a desinformação e promover uma compreensão mais precisa e respeitosa sobre o autismo, baseada em fatos e pesquisas.
Mito 1: Vacinas Causam Autismo
Um dos mitos mais persistentes e prejudiciais sobre o autismo é a ideia de que vacinas, especialmente a tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola), podem causar o transtorno. Essa alegação é categoricamente falsa e tem sido refutada por uma vasta quantidade de estudos científicos rigorosos em todo o mundo.
A origem dessa desinformação remonta a um estudo publicado em 1998 na revista médica The Lancet por Andrew Wakefield e colegas. O estudo, que envolveu apenas 12 crianças, sugeria uma ligação entre a vacina tríplice viral e o desenvolvimento de autismo e problemas intestinais. No entanto, investigações posteriores revelaram que o estudo de Wakefield era metodologicamente falho, continha dados fraudulentos e que o próprio Wakefield tinha conflitos de interesse financeiros não declarados.
Como resultado, The Lancet retratou completamente o artigo em 2010. Wakefield perdeu sua licença médica no Reino Unido. Desde então, inúmeras pesquisas de larga escala, envolvendo milhões de crianças em diferentes países, foram conduzidas para investigar a possível ligação entre vacinas e autismo. Consistentemente, esses estudos não encontraram nenhuma evidência que apoie essa relação.
Instituições de saúde renomadas, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, a Academia Americana de Pediatria e autoridades de saúde brasileiras como o Ministério da Saúde e o Instituto Butantan, reafirmam que as vacinas são seguras e não causam autismo. O Portal Gov.br, por exemplo, destaca que "não existe nenhuma relação entre vacinas e autismo" e que a pesquisa científica é clara a esse respeito. O Instituto Butantan também reforça que o artigo de 1998 foi amplamente refutado pela comunidade científica.
Outra preocupação levantada por grupos antivacina era a presença de timerosal, um conservante à base de mercúrio, em algumas vacinas. No entanto, estudos extensivos também demonstraram que o timerosal, nas quantidades usadas em vacinas, não está associado ao autismo. Além disso, o timerosal foi removido da maioria das vacinas infantis há muitos anos em diversos países, e as taxas de diagnóstico de autismo continuaram a aumentar, o que contradiz a hipótese de uma ligação causal.
É crucial entender que a vacinação é uma das intervenções de saúde pública mais eficazes, prevenindo doenças graves e salvando vidas. Associar vacinas ao autismo não apenas carece de fundamento científico, mas também coloca em risco a saúde individual e coletiva ao desencorajar a imunização.
Mito 2: Pessoas com Autismo Não Têm Empatia
Outro equívoco comum é a crença de que indivíduos no espectro autista são incapazes de sentir ou demonstrar empatia. Essa visão simplista e muitas vezes prejudicial ignora a complexidade da empatia e as diferentes formas como ela pode se manifestar em pessoas com TEA.
A empatia é geralmente dividida em dois componentes principais: a empatia afetiva e a empatia cognitiva. A empatia afetiva refere-se à capacidade de sentir e compartilhar as emoções dos outros – sentir tristeza quando alguém está triste, por exemplo. A empatia cognitiva, por outro lado, é a capacidade de compreender a perspectiva e o estado mental de outra pessoa – entender por que alguém está se sentindo de determinada maneira.
Pesquisas científicas, como revisões publicadas na base SciELO, sugerem que, em muitas pessoas com TEA, a empatia afetiva pode estar intacta ou até mesmo ser mais intensa do que na população neurotípica. Indivíduos autistas podem sentir profundamente as emoções alheias, mas podem ter dificuldades em processar, regular ou expressar essas emoções de maneira convencional. O que pode ser desafiador para algumas pessoas no espectro é a empatia cognitiva. Dificuldades na Teoria da Mente (a capacidade de atribuir estados mentais a si mesmo e aos outros) podem tornar mais complexo inferir os pensamentos, intenções e sentimentos de outras pessoas, especialmente em situações sociais sutis ou ambíguas.
Além disso, o conceito de "Dupla Empatia", proposto pelo sociólogo autista Damian Milton, oferece uma perspectiva importante. Essa teoria sugere que as dificuldades de comunicação e compreensão entre pessoas autistas e não autistas não são um déficit unilateral dos autistas, mas sim uma quebra mútua de entendimento. Pessoas neurotípicas também podem ter dificuldade em compreender a perspectiva e a experiência de uma pessoa autista. Portanto, rotular pessoas com TEA como carentes de empatia é impreciso e ignora as barreiras de comunicação bidirecionais.
É fundamental reconhecer que a expressão da empatia pode variar significativamente entre indivíduos, sejam eles autistas ou não. Muitos autistas demonstram grande compaixão e preocupação pelos outros, embora possam expressá-la de maneiras diferentes das esperadas pela sociedade neurotípica. Reduzir a experiência autista a uma suposta falta de empatia é um estereótipo que contribui para o estigma e a incompreensão.
Mito 3: Nem Todos os Autistas São Gênios (Síndrome de Savant é Rara)
A representação de pessoas autistas na mídia frequentemente as retrata como gênios com habilidades extraordinárias em áreas específicas, como matemática, música ou memória – um fenômeno conhecido como Síndrome de Savant. Embora seja verdade que algumas pessoas no espectro autista possuam essas habilidades excepcionais, essa não é a realidade para a maioria.
Estudos e especialistas indicam que a Síndrome de Savant ocorre em uma porcentagem relativamente pequena de indivíduos com TEA, estimada por alguns em cerca de 10%, embora as estimativas possam variar. A maioria das pessoas autistas possui uma gama de habilidades e níveis de inteligência que variam amplamente, assim como na população neurotípica. Alguns podem ter deficiência intelectual associada, enquanto outros têm inteligência média ou acima da média, sem necessariamente apresentar habilidades savant.
Sites como Brain Support e artigos de fontes como CEAM Brasil desmistificam essa generalização, explicando que o "genialismo" é uma característica de uma parcela limitada de pessoas com TEA. Focar excessivamente nessas habilidades excepcionais pode criar expectativas irreais e ofuscar as dificuldades reais que muitas pessoas autistas enfrentam em áreas como comunicação social, processamento sensorial e funções executivas. Além disso, essa visão estereotipada ignora os talentos e pontos fortes mais comuns e diversos que as pessoas autistas podem ter.
É essencial reconhecer a heterogeneidade do espectro autista. Cada pessoa é única, com seu próprio conjunto de desafios e potencialidades. Reduzir o autismo ao estereótipo do "gênio excêntrico" é simplista e desconsidera a vasta diversidade de experiências dentro da comunidade autista.
Mito 4: Autismo Não é Doença, e Sim uma Forma Diferente de Ver o Mundo
Finalmente, abordamos a concepção do autismo. É fundamental entender que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) não é uma doença no sentido tradicional, como uma infecção ou uma condição degenerativa que precisa ser "curada". O TEA é classificado como um transtorno do neurodesenvolvimento.
Isso significa que o cérebro de uma pessoa autista se desenvolve de maneira diferente desde a primeira infância, resultando em variações na forma como ela processa informações, interage socialmente, comunica-se e percebe o mundo. Como destacado por fontes como Genial Care e a Secretaria de Saúde do Paraná, não existe uma "cura" para o autismo porque ele não é uma doença a ser erradicada, mas sim uma parte intrínseca da identidade e do funcionamento neurológico do indivíduo.
As evidências científicas atuais, conforme apontado pelo Ministério da Saúde e pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS), indicam que o TEA tem causas complexas e multifatoriais, envolvendo uma interação entre fatores genéticos e ambientais. Não se trata de algo adquirido ou causado por fatores externos como vacinas ou criação.
O movimento da neurodiversidade, discutido em artigos como o da SciELO, defende que condições neurológicas como o autismo, TDAH, dislexia, entre outras, são variações naturais da neurologia humana, e não déficits ou patologias. Sob essa perspectiva, o autismo é visto como uma forma diferente de ser e de experimentar o mundo, com seus próprios desafios e pontos fortes, e não como algo que precise ser eliminado. O foco deve ser em fornecer apoio, acomodações e respeito para que as pessoas autistas possam prosperar, em vez de tentar "consertá-las" ou torná-las neurotípicas.
Compreender o autismo como uma diferença neurológica, e não como uma doença, é crucial para combater o estigma e promover a inclusão e aceitação.
Conclusão: Informação como Ferramenta de Inclusão
Como vimos neste texto, que complementa nosso vídeo no Instagram, muitos dos mitos que cercam o Transtorno do Espectro Autista não resistem a uma análise baseada em evidências científicas. Vacinas não causam autismo; a empatia em pessoas autistas é complexa e não ausente; a genialidade é rara, não a regra; e o autismo é uma condição do neurodesenvolvimento, não uma doença a ser curada.
Combater a desinformação com conhecimento científico e respeito pelas experiências vividas é fundamental para construir uma sociedade mais inclusiva e acolhedora para todas as pessoas, independentemente de sua configuração neurológica. Esperamos que este material sirva como um recurso valioso para desmistificar o TEA e promover uma compreensão mais profunda e empática.
Referências:
Vacinas e Autismo:
Portal Gov.br (Saúde): https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-com-ciencia/noticias/2024/abril/nao-existe-nenhuma-relacao-entre-vacinas-e-autismo
Instituto Butantan: https://butantan.gov.br/covid/butantan-tira-duvida/tira-duvida-noticias/por-que-e-mentira-que-vacinas-causam-autismo-conheca-a-historia-por-tras-desse-mito
Autismo e Realidade: https://autismoerealidade.org.br/2021/01/15/a-historia-por-tras-do-mito-de-que-vacinas-causam-autismo/
Família SBIm: https://familia.sbim.org.br/duvidas/mitos/o-mercurio-presente-nas-vacinas-causa-autismo
Empatia no Autismo:
SciELO (Revisão Empatia Afetiva e Cognitiva): https://www.scielo.br/j/rbee/a/dbpyTntTvDNSFmy7wybdxjg/
Canal Autismo (Teoria da Dupla Empatia): https://www.canalautismo.com.br/artigos/teoria-da-dupla-empatia/
CEAM Brasil: https://ceambrasil.com.br/2025/04/07/mitos-e-verdades-sobre-o-autismo-informacao-que-acolhe/
Autismo e Genialidade (Síndrome de Savant):
Genial Care (Superdotação): https://genialcare.com.br/blog/superdotacao-no-autismo/
Autismo Não é Doença (Neurodiversidade):
Genial Care: https://genialcare.com.br/blog/autismo-e-doenca/
Secretaria de Saúde do Paraná: https://www.saude.pr.gov.br/Pagina/Transtorno-do-Espectro-Autista-TEA
G1 Ciência e Saúde: https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2020/02/16/autismo-as-descobertas-recentes-que-ajudam-a-derrubar-mitos-sobre-o-transtorno.ghtml
SciELO (Neurodiversidade e Estigma): https://www.scielo.br/j/pee/a/S5FdcTLWS9bPdJwPXcdmnHz/
Portal Gov.br (Linhas de Cuidado): https://linhasdecuidado.saude.gov.br/portal/transtorno-do-espectro-autista/definicao-tea/
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